“O inferno são os outros”

Por Aline Moura, do blog do Santinha


Nome e atos da nossa torcida organizada não são auspiciosos

O calor na minha biblioteca está a 33 graus nesse momento. O ventilador faz treque- treque-treque, um barulho de lascar que só complica ainda mais o que preciso dizer. Falar mal de algo que a gente já amou é difícil. Mas é para isso que existem o divórcio e a frase de Vinicius de Moraes “que seja eterno enquanto dure”. Pois é. O amor acabou. Não pelo Santa Cruz, é claro. Falo da Inferno Coral, da qual fui uma das ativas integrantes de 1993 a 1995. Se meu sentimento de admiração cambaleava há tempos, agora, bateu as botas de vez. E os motivos são vários. Desde sociais a espirituais.
O primeiro a tratar aqui é a violência. Não adianta integrantes da Inferno afirmarem que a imprensa só vê o lado negativo da torcida. Se a Inferno não fosse considerada violenta, nomes como Gustavo, Hugo, Dinho e tantos outros presidentes não tinham abandonado o barco. Todos saíram desiludidos, cansados, exaustos. E eu também.
Vandalismo, drogas e violência nem sempre acabam em prisões, como estas
Quem viu as imagens na TV Globo nos últimos dias pôde visualizar as cenas de vandalismo. Ônibus depredados, meninos detidos aos montes, pancadaria e terror. Na minha época, ah minha época, não era assim… Eu chegava à torcida com meu pai, encontrava os amigos e ficava embasbacada olhando o espetáculo na arquibancada. Foi ali que meu irmão (Ramsés) se converteu do exporti para o Santa. Nosso grupo era animado, discutia projetos, fazia planos. Todos da minha época saíram. Além dos já citados, não estão mais por lá gente como Caco, Beto, Ia, Fábio, Cuscuz, Cabeça, Joãozinho, Tininho…
As últimas agressões apenas reforçaram minha vergonha de ter participado de sua criação. Perdão, Deus, eu era adolescente. Nunca tive muito juízo, imagine naquela época. Não é à toa que fico sem entender, agora, como os “maduros” permitem a continuidade das torcidas? Como é que proibiram a venda de bebidas dentro dos estádios e não vetaram as organizadas? Os clubes brigaram com as grandes marcas de cerveja e deixaram as outras drogas intocáveis, no cantinho delas.
Drogas e agressões – Que decisão meia-boca foi essa de proibir a cerva? Acho que é preciso voltar a falar da pesquisa realizada pelo professor Ricardo Guerra, da UPE, onde ele traçou um perfil das organizadas. A cerveja está barrada, mas o que importa? Além de 30% dos integrantes das organizadas consumirem álcool e cigarro fora dos estádios, 25% dos entrevistados na pesquisa de Ricardo admitiram usar solventes (80%), cola (60%) e maconha (45%). Sobrou até para a maconha! Hahahahaha.
No estudo, Ricardo Guerra comprovou que 60% dos jovens (a maioria com uma média de 16 anos) se envolveu em brigas num espaço de três meses. Precisa saber mais para acabar com essas pragas? E por que a Secretaria de Defesa Social não age?
Adianta de quê proibir venda de cerveja nos estádios? Quando saiu do Arruda em dias de clássico, fico apavorada, com medo de encontrar um louco pelo meio do caminho que quer espancar, roubar ou coisa pior. Basta lembrar a história daquele integrante da Inferno, Fábio Coutinho da Silva, de 22 anos, que atirou a queima-roupa e matou o amigo tricolor José Francisco dos Santos Filho, 21 anos, alegando que ele não obedecia às regras do grupo. Que regras hein?

A gente atrai aquilo que evoca

Palavras têm poder – Contudo, todavia, entretanto, não é só a violência que me preocupa. Além de a Inferno ser usada por forças políticas e ocultas do clube, ela só parece torcer por ela mesma. Pude ver isso claramente no último clássico. No primeiro tempo do jogo, não vi a dita cuja cantando uma música sequer do Santa Cruz. Era só Inferno pra lá e pra cá, enquanto o restante da torcida acompanhava. E eu calada, muda. Saco!!!
Quando o Santa faz gooooool (coisa rara ultimamente), a Inferno exalta a Inferno. Basta uma gracinha do time tricolor e os integrantes da organizada sobem aquela bandeira que toma metade do estádio, com o “orgulho” de ser a segunda maior do Brasil. Os cabelos do meu braço e da minha cabeça se arrepiam de terror. Eu olho e penso: “Deus não se deixa escarnecer”.

Diz a Bíblia: Deus é amor e fogo consumidor

Perdoem-me os céticos e os ateus. Mas não houve quem desafiasse Deus e ficasse de pé. Você acha que isso é besteira? Então eu pergunto: crescemos ou decaímos depois que a Inferno foi criada? O que aconteceu de bom no clube, exceto raras migalhas?

O problema do Santa não é só falta de bola, amigos. É espiritual. Não esqueço aquela frase dita pelo dono do Titanic. “Nem Deus afunda esse navio”. Rarara. Ou quem sabe aquela de Tancredo Neves: “Se o PDS me apoiar, nem Deus impede que eu assuma a presidência”. Hum hum. Dá vontade de rir… Pra não ir tão longe, tem um cara em Surubim, interior de Pernambuco, que vivia desafiando Deus.
Ele era borracheiro (era) e sempre debochava quando entrava em baixo dos veículos: “Se Deus é tão poderoso, por que ele não derruba esse caminhão em cima de mim?”. Bem, daí vocês podem imaginar: pedido feito, pedido atendido. Quem é de Surubim deve conhecer essa história. A traseira do caminhão desabou sobre ele e o deixou aleijado. Não matou porque alguém tem que viver pra contar a história e falar da força de Deus.
Até agora, o Santa vive. Não sei até quando. Como diriam os atores da novela Caminho das Índias, esse nome “Inferno” não é auspicioso, não combina com o nome “Santa Cruz”. A gente atrai o que evoca. As palavras têm poder de curar, salvar e condenar. Quem ganhou apelido pejorativo quando criança sabe disso. Ficou marcado pela palavra do “outro”, mesmo sem perceber. Aliás, o escritor e filósofo Sartre também dizia: “O inferno são os outros”. Até concordo. Pior ainda quando os outros se autodenominam de “Inferno”.

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